A data de aniversário dele forma os dígitos da sua senha do
cartão de crédito. Seu pijama favorito é aquela camiseta velha, do dobro do seu
tamanho, que ele esqueceu na sua casa. Você tem guardado na sua memória olfativa
o cheiro do pescoço dele, e consegue evocá-lo várias vezes ao dia quando a
saudade bate. O jeito como afina o violão, como estaciona o carro, como mistura
as proporções de leite com café, mostarda e ketchup,você usurpou dele. Aquele
livro, inspiração pra vida, foi ele que te presenteou. Aquela banda que não sai
mais do seu iPod, foi ele que te apresentou. Aquele filme que você se esvaiu de
chorar as 13 vezes que assistiu, foi ele que baixou no seu computador. Tudo o
que você quer dizer ele consegue capturar com um olhar. O jeito como você
transa, como se esparrama na cama ao seu lado depois de um orgasmo, como
derruba levemente a cabeça para a direta enquanto o beija, como se aproveita
para apoiar no espacinho entre o ombro e o pescoço dele quando o abraça
levemente embriagada é ele, é tudo ele. É tudo dele.
Aí, um dia, o seu relacionamento termina, e tudo o que você
tinha como chão se desaba. Quando isso acontece, a gente se tenta se livrar do
ex com a mesma aspereza de quem pisa numa bituca de cigarro. Espera esquecer
suas lembranças jogando fora aquela caixa cheia de tickets de cinema e
ingressos de shows que vocês viram juntos, também se livra daquela rosa, já
seca, que ele te deu quando você foi conhecer os pais dele, e daquele
chumacinho de cabelo que você tinha guardado quando ele raspou a cabeça ao
entrar na faculdade. Rasga todas as fotos em que ele está presente. Queima
todas os cartões, bilhetes, post-its, recados em folha de caderno e papel de
bombom que possuem a caligrafia dele.
Despacha todos os CDs e DVDs que ele
tinha te “emprestado”. Deleta o número do telefone de seus contatos, exclui do
facebook, bloqueia no twitter, coloca o e-mail dele na lista de spam. Na maioria
das vezes é assim. Eliminamos aquela pessoa de nossas vidas para que com ela
partam junto todas as dores e memórias ruins daquele relacionamento. Tentamos
nos livrar dele, tirá-lo de nosso corpo, pra nos livrarmos do sofrimento de ter
que conviver com a sua ausência.
Nenhum término é fácil. É claro que precisamos passar por todas
as fases do luto, negar, xingar, ficar com raiva, se deprimir para aí então
superá-lo. Mas acredito que pessoas (aquelas que são importantes mesmo) não são
descartáveis. Não vejo sentindo em extinguir bruscamente uma pessoa que foi tão
significativa, que ajudou a construir quem você é, como se riscasse um item de
uma lista de compras. Muitas vezes não conseguimos nos desfazer de um vestido
velho que não usamos mais, porém, na maioria das vezes, quando um
relacionamento acaba rejeitamos o ex de vez da nossa vida. Queremos tirá-lo do
nosso coração, mas acontece que quando se elimina alguém assim tão marcante de
nossas vidas, um pedacinho nosso vai embora junto com essa pessoa.
É claro que não dá pra manter o contato com o ex da noite
para o dia. Bancar o “amigo” só para ficar por perto esperando o momento de uma
recaída: isso é auto enganação, é autoflagelo, é confundir ainda mais os
sentimentos de uma relação já desgastada. É preciso de um tempo para acalmar o
coração, para separar passado de presente, para o seu cérebro entender que
aquela chavinha de liga/desliga da paixão está em mode off pra tal pessoa. Todo
fim precisa ser aceito (por ambas as partes) em nome de uma amizade. Acredito
que sentimentos tão fortes – como o amor – não somem assim do nada. Eles
sublimam, se transformam. Podem até se transformar em raiva por determinado
tempo, mas acho que isso é passageiro. Quando a gente ama/amou alguém, a gente
se importa, e isso nunca muda. Não tô falando de virar melhor amigo do seu ex,
mas de manter um contato, de querer saber como a vida dele anda, de se sentir
bem por suas conquistas. Depois de um tempo, essa sublimação de sentimentos
entre ex-namorados torna-se o afeto entre dois antigos conhecidos com aquele ar
de intimidade.